No meu copo 339 - Esporão Reserva 1999; Esporão, Petit Verdot 2008

Em mais um encontro dos comensais do costume, que realizámos em memória do amigo que perdemos recentemente, aproveitámos para abrir duas garrafas de vinho da Herdade do Esporão com quase 20 anos a separá-las.

Começámos por uma garrafa que tinha sido adquirida em grupo aquando da visita que fizemos à herdade, na altura uma novidade no portefólio da empresa e que muita curiosidade nos despertou. Trata-se dum exemplar de Petit Verdot 2008, dentro da nova versão dos monocastas, com novos rótulos e novos preços, que tivemos oportunidade de conhecer na sala de provas da herdade e que na ocasião nos pareceu merecedor duma nova, mais cuidada e mais demorada apreciação.

Enquanto eu tratava dos bifes na cozinha, com o molho à minha moda, os outros comensais trataram de começar a consumir a garrafa (uns bandalhos, é o que eles são – tivesse eu fritado mais os bifes e já só lhe via o fundo...), que fez o pleno de elogios por parte dos 7 comensais presentes. Não se esperava aquela complexidade de um vinho monocasta, que mostrou um excelente nariz, com algumas notas violáceas (também na cor), madeira quanto baste sem marcar demasiado o vinho, taninos firmes e poderosos mas sem se tornarem agressivos. Mostrou bom potencial de envelhecimento em garrafa, mas já se apresentou em excelente momento para ser bebido. Não há dúvida de que, a nível de monocastas, o Esporão, que no início da década de 90 foi um dos produtores pioneiros na matéria em Portugal, continua a marcar pontos. Pena é que o reposicionamento da gama a nível de preços tenha atirado estes exemplares para valores perto do proibitivo, porque mesmo se a qualidade continua lá, o custo parece já não justificar o dispêndio, pelo menos com a mesma frequência. Estamos a falar, em números redondos, numa duplicação do preço... Agora custam cerca de 50% mais do que a marca principal da casa...

Em complemento a este monocasta, alinharam duas colheitas dessa marca, o Reserva. A primeira garrafa poderá (ou não) ser aquela que foi recusada no mercado dos EUA devido ao seu rótulo, que apresenta a figura de um árabe. Na colheita de 1999 um rótulo destes foi rejeitado no mercado americano, o que obrigou a empresa a recolher todas as garrafas e reenviá-las com outro rótulo. A verdade é que, em função disso, a garrafa com o dito rótulo passou a ser uma preciosidade porque se tornou rara. A dúvida era se eu teria em casa uma preciosidade que poderia valer alguns milhares. Mas entre ficar à espera de saber ou beber o líquido que a mesma continha, optei pela segunda hipótese. E fiz bem, porque o vinho estava excelente.

Claro que num vinho com esta idade já não se encontra um corpo cheio e estruturado (não estamos propriamente a falar dum Bairrada feito de Baga...), antes encontramos um vinho amaciado pelo tempo e de corpo um pouco adelgaçado, com pouca evidência de fruta, mas ainda pleno de saúde e macieza. Não esquecer também que nesta fase ainda não tinha chegado a época das bombas de fruta e álcool que assolou o país vinícola na última década, e os 13,5% de álcool que esta colheita apresenta já eram, na altura, bastante significativos. Daí notarmos uma diferença de perfil em relação às colheitas mais recentes, mas nos anos 90 o Esporão clássico era mais ou menos assim. Encorpado quanto baste, elegante, macio, algo delicado, predominância a frutos maduros, com boa estrutura e persistência, mas não um vinho de encher a boca para se “mastigar”, com taninos presentes mas finos. Aguentou bem a prova do tempo e não me arrependi de ter aberto a garrafa em vez de tentar vendê-la num leilão. Afinal, o vinho fez-se para ser bebido...

Por fim ainda alinhou um último exemplar da colheita de 2006, que já foi objecto de várias provas e devidamente apreciado e descrito em tempo oportuno. Com a fruta menos exuberante, continua um vinho vibrante, cheio e com uma profundidade aromática invulgar, e como sempre bateu-se galhardamente com a bifalhada. Não defraudou o que se esperava dele, e confirmou-se como uma das colheitas que mais me agradou na última década. Mas, como dizia o saudoso António Silva no inesquecível Evaristo do “Pátio das cantigas”, deste já não há mais...

Kroniketas, enófilo esclarecido

Região: Alentejo (Reguengos)
Produtor: Esporão

Vinho: Esporão Reserva 1999 (T)
Grau alcoólico: 13,5%
Castas: Aragonês, Trincadeira, Cabernet Sauvignon
Nota (0 a 10): 8

Vinho: Esporão, Petit Verdot 2008 (T)
Grau alcoólico: 14,5%
Casta: Petit Verdot
Preço no produtor: 22 €
Nota (0 a 10): 8,5

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