No meu copo 500 - Esporão: brancos e tintos, monocastas, duas castas e quatro castas

Duas Castas 2013; Verdelho 2013; Aragonês 2004; Alicante Bouschet 2005; Touriga Nacional 2005; Trincadeira 2005; Quatro Castas Reserva 2003




Chegámos a um número redondo, que nem estava nas previsões que viéssemos a atingir. E, para assinalar condignamente este meio milhar de posts dedicados a vinhos provados à mesa – que aliás coincidem no tempo com o 10º aniversário deste blog, com o aniversário recente de um dos escribas e também com o início de um novo ano –, nada melhor que aproveitar esta série de festejos acumulados para tirar o pó a algumas relíquias que têm esperado pacientemente pela sua vez na garrafeira ao longo de vários anos. Escolheu-se assim um painel de vinhos exclusivamente provenientes da Herdade do Esporão, seguindo o critério de escolhas dos monocastas, ou com nomes afins.

Recuando cerca de 20 anos no tempo, foi em meados da década de 90 do século XX que eu e o saudoso Mancha começámos a encontrar nas prateleiras os primeiros vinhos monocasta da Herdade do Esporão – que na altura eram também dos primeiros que se viam produzidos em Portugal – baseados nas três castas que têm constituído a base do lote para o Esporão Reserva (com pequenas variações pontuais), com rótulos bem distintos para cada um deles: o Aragonês, com rótulo beige, o Trincadeira com rótulo cinzento claro e o Cabernet Sauvignon com rótulo vermelho vivo. A breve trecho o tuguinho também já estava metido nesta pandilha, sem imaginarmos que passadas duas décadas viríamos a escrever sobre o acontecimento...

Tivemos oportunidade de comprar e provar várias colheitas dos primeiros anos (1991, 1992, 1993 e por aí fora...) de forma paralela e, com algum humor, chegámos a comparar o perfil de cada casta com os instrumentos de uma banda: o Aragonês, mais vivo e adstringente e de aroma intenso e especiado, era como a guitarra eléctrica, que se destacava nos solos; a Trincadeira, com o seu carácter vegetal, mais estruturada, discreta e redonda, era como o baixo, que muitas vezes passa quase despercebido mas que, se não estiver lá, se sente a sua falta, pois é quem dá o suporte de fundo ao conjunto; e o Cabernet Sauvignon, com um aroma marcante a frutos vermelhos e pretos maduros e algum apimentado, era como um teclado de sintetizador, que mantinha um som constante a preencher os espaços vazios e a ligar todas as partes do conjunto. E assim fomos aprendendo a conhecer as características de cada casta isoladamente, tendo-se posteriormente juntado ao painel o Bastardo, com um rótulo de cor antracite, a Touriga Nacional, com rótulo azul-escuro, a Syrah, com rótulo preto e finalmente o Alicante Bouschet, já nos anos 2000, com rótulo grená.

Com o passar dos anos, o lançamento no mercado destas 7 castas tintas a solo foi variando conforme as colheitas, tendo ainda na passagem de século ocorrido um período de alguns anos em que os vinhos eram lançados em garrafas de meio-litro, durante o qual surgiram também os primeiros monocastas brancos – tivemos oportunidade de provar o Arinto e o Roupeiro de 1999, com rótulos esverdeados, claro e escuro. Alguns dos monocastas deixaram de ser produzidos (o primeiro foi o Cabernet Sauvignon), sendo paulatinamente substituídos pelas novas castas emergentes e “importadas” de outras regiões.

(Nota: imagens de todos os vinhos em conjunto no vídeo https://www.youtube.com/watch?v=e7NZyMNpvPQ).

Durante este percurso surgiu também aquele que foi durante vários anos o vinho do Esporão que mais nos encantou e que aqui referenciámos frequentemente: o Quatro Castas Reserva – com uma filosofia diferente, em que o lote podia variar todos os anos, era (e é) sempre composto pelas melhores quatro castas tintas de cada ano e sempre em partes iguais. Chegámos a colocá-lo num patamar equivalente ou mesmo superior ao Esporão Reserva, tal a personalidade, estrutura e perfil aromático deste vinho!

Depois, já em pleno século XXI, a estratégia comercial da casa para os vinhos monocasta mudou completamente, a rotulagem também, tomando o aspecto que ostenta actualmente, com apenas uma ou duas letras em destaque representando as iniciais da casta, mas sobretudo o que mudou foram os preços: para os tintos monocasta, o valor duplicou, subindo para a fasquia dos 22 a 24 €, o que o coloca no patamar do Duas Quintas Reserva, por exemplo. E com a nova estratégia comercial da casa, também nós mudámos a estratégia de compra, guardando (até agora) os últimos exemplares das antigas versões e comprando algumas relíquias em promoção, e deixando as novas apenas para abordagens esporádicas e muito pontuais, de que o único exemplo que apresentámos até agora foi um Petit Verdot, entretanto acrescentado ao poretfólio da casa, e que foi adquirido num passeio à herdade. Foi também neste período que se consolidou a nova marca Duas Castas, para os brancos, seguindo a mesma filosofia do Quatro Castas para os tintos – castas variáveis conforme o ano, embora no caso do branco as percentagens de cada casta possam não ser iguais – e que o espantoso Verdelho se impôs definitivamente como um dos melhores brancos nacionais.

E depois deste longo intróito, o que há para dizer, afinal, acerca dos vinhos? Pouca coisa. Nestes posts de balanço e de mudança de centena importa-nos, muitas vezes, elucubrar mais sobre a filosofia dos vinhos provados, da nossa relação com eles e da razão da escolha, por isso escolhemos sempre vinhos muito marcantes para nós: os do Esporão, os antigos Reservas da Sogrape, os tintos velhos do Dão ou da Bairrada, ou ainda o igualmente marcante Reguengos Garrafeira dos Sócios, verdadeiro compagnon de route dos tintos do Esporão na nossa aprendizagem vínica; no fundo, as verdadeiras relíquias que mais marcaram o nosso percurso enquanto enófilos.

Vamos apenas deixar aqui alguns apontamentos curtos, deixando as restantes conclusões para o leitor em função das fichas de cada vinho.

Duas Castas 2013 – Já provado anteriormente, apreciação feita aqui.

Verdelho 2013 – Como habitualmente em grande nível, encantando os presentes como noutras ocasiões. Acidez, aroma tropical intenso com algum citrino, estrutura, vivacidade e persistência. Excelente!

Aragonês 2004 – Robusto e estruturado, amaciado pelo tempo mas ainda longo e vivo. Com menos idade era um dos mais exuberantes em termos de corpo e aroma.

Alicante Bouschet 2005 – A nova coqueluche dos tintos alentejanos, aqui também já amaciada pelo tempo mas a mostrar porque é cada vez mais uma presença constante nos lotes: robusto, estruturado, longo, persistente, taninos firmes e vivos.

Touriga Nacional 2005 – Algo linear na prova, com o floral a marcar o conjunto mas a denotar pouca vivacidade.

Trincadeira 2005 – Mais um belo exemplar duma casta emblemática do Alentejo mas que parece ter-se tornado mal-amada por alguns enólogos. Estava lá tudo o que tem de melhor: estrutura, aroma, corpo, elegância, final longo, persistente e suave. Um dos melhores tintos da noite.

Quatro Castas Reserva 2003 – Depois de percorridos todos os monocastas ainda disponíveis, e depois de tantas colheitas, mais antigas e mais recentes, já provadas, este velho companheiro ainda foi capaz de nos surpreender. Já não apresentou a vivacidade de outras garrafas, mas as características que têm feito as nossas delícias desde há mais de uma década ainda lá estão. Corpo e exuberância aromática notáveis, taninos ainda bem firmes mas redondos e elegantes, mantendo tudo no sítio! Mais uma vez se confirmou que já tem muito pouco que ver com as novas versões modernaças...

Kroniketas, enófilo esclarecido

Região: Alentejo (Reguengos)
Produtor: Esporão

Vinho: Duas Castas 2013 (B)
Grau alcoólico: 13,5%
Castas: Gouveio (70%), Antão Vaz (30%)
Preço em feira de vinhos: 7,75 €
Nota (0 a 10): 8

Vinho: Verdelho 2013 (B)
Grau alcoólico: 13,5%
Casta: Verdelho
Preço em feira de vinhos: 7,98 €
Nota (0 a 10): 9

Vinho: Aragonês 2004 (T)
Grau alcoólico: 14%
Casta: Aragonês
Preço em feira de vinhos: 10,89 €
Nota (0 a 10): 8

Vinho: Alicante Bouschet 2005 (T)
Grau alcoólico: 14%
Casta: Alicante Bouschet
Preço em feira de vinhos: 10,89 €
Nota (0 a 10): 8,5

Vinho: Touriga Nacional 2005 (T)
Grau alcoólico: 14%
Casta: Touriga Nacional
Preço em feira de vinhos: 10,99 €
Nota (0 a 10): 7,5

Vinho: Trincadeira 2005 (T)
Grau alcoólico: 14,5%
Casta: Trincadeira
Preço em feira de vinhos: 10,99 €
Nota (0 a 10): 8,5

Vinho: Quatro Castas Reserva 2003 (T)
Grau alcoólico: 14,5%
Castas: Aragonês, Trincadeira, Touriga Nacional, Cabernet Sauvignon
Preço em feira de vinhos: 12,54 €
Nota (0 a 10): 8,5

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