Um passeio pelo Dão - 2 (por entre serras e vinhas)

No meu copo, na minha mesa 345 - Cabriz, Touriga Nacional 2010; Restaurante Quinta de Cabriz (Carregal do Sal)


                
   

O resto do fim-de-semana foi para passear e conhecer a zona, tanto quanto possível dentro dos limites da região demarcada do Dão. De tarde fomos a Penalva do Castelo, passeámos nos enormes jardins da Casa da Ínsua, depois fomos a Fornos de Algodres e regressámos a Mangualde. Seguimos a sugestão do Pingus Vinicus e tentámos jantar no Valério... só que estava fechado, num sábado à noite. Foi difícil encontrar algo decente para jantar, e acabámos numa churrasqueira/pizzaria, a comer pizza e lombinhos de porco com cogumelos. Jantar tipicamente beirão, portanto...

Estranhámos a falta de oferta gastronómica na cidade num sábado à noite, mas talvez a crise ajude a explicar o fenómeno, pois no distrito de Viseu, para além da capital de distrito, Manugalde parece ser a cidade mais em destaque e naquela zona, para sueste, não há mais nenhuma cidade. Talvez o turismo não seja muito tido em conta por aquelas paragens...

O domingo foi dedicado a mais passeios, mas já apontando a sudoeste: primeiro em direcção a Nelas, com passagem à porta do Bem-Haja, uma referência obrigatória nos guias de restaurantes e com menção no Guia Michelin (pelo sim pelo não, já está localizado...), junto à adega Pedra Cancela e, quase por acaso, acabámos por topar com a entrada do Centro de Estudos Vitivinícolas do Dão, essa entidade histórica e que tão importante papel teve ao longo de décadas no vinho da região, que acabou de completar 105 anos de existência!

De Nelas rumámos a Santar, onde quase somos inundados pela vasta área de vinha da Casa de Santar, que começa a ser visível quando se começa a descer para o vale antes da povoação, depois de passar Vilar Seco. Passámos junto à adega da Casa de Santar, espreitámos o Paço dos Cunhas e a Quinta do Sobral e serpenteámos pelas ruas estreitas da povoação, que mantém uma traça quase medieval muito bem preservada. Para além das empresas produtoras de vinho ali sediadas, vale a pena visitar a pequena povoação pela beleza e enquadramento paisagístico.

Em todo este périplo, acabámos por deixar para trás um dos alvos possíveis da viagem, a Quinta dos Carvalhais, que implica um desvio em direcção a Alcafache. Mas ficou na agenda para uma próxima oportunidade, assim como o Bem-Haja, porque a seguir apontámos o trajecto em direcção a Carregal do Sal para chegar à Quinta de Cabriz à hora de almoço - ainda era demasiado cedo para parar em Nelas e abancar no Bem-Haja.

Mesmo ao pé da rotunda à entrada de Carregal do Sal, quando se entra pelo lado do IC12, logo junto à estrada vemos a placa que indica Restaurante Quinta de Cabriz – Enoturismo. Enoturismo a sério, é o mínimo que se pode dizer. Serviço impecável, rápido, simpático, eficiente, sempre em cima do acontecimento mas sem maçar o cliente.

Antes do prato principal fomos brindados com uma oferta do chefe, que nos enviou uns rissóis e uns pastelinhos de bacalhau ainda quentes, e com um espumante de boas-vindas, um Quinta do Encontro rosé feito exclusivamente de Touriga Nacional, muito leve e aberto, de cor salmão clara e um bom complemento para as entradas.

Havia um menu de degustação por 17,50 €, que incluía uma entrada, um prato e uma sobremesa, cada um acompanhado com o seu vinho, mas com um pequeno senão: era tudo baseado em maçã bravo de Esmolfe, do princípio ao fim, e considerámos que era maçã a mais, pelo que fomos para o menu da casa e escolhemos um cabrito à moda de Cabriz, de confecção irrepreensível, com batatinhas assadas, esparregado e arroz de feijão. De realçar a possibilidade, assinalada no menu, de pedir dose e meia do prato principal, o que também é de saudar e ajuda a gerir as quantidades que se pode comer, e foi essa a opção escolhida.

No final, um carrinho de sobremesas com múltiplas escolhas, tendo-se pedido apenas uma versão cremosa de tiramisu a lembrar mais o leite-creme, que estava bom mas muito consistente, dando para dividir por dois.

Os vinhos são vendidos a preços de produtor, mais baratos que no supermercado, o que se saúda. Por exemplo, o Cabriz Colheita Seleccionada, que se compra por cerca de 2,70 € no comércio, estava à venda a 2,20 € por garrafa de 75 cl, e a 1,10 € a garrafa de 37,5 cl. O preço dos pratos também não escalda. No final, com vinho, sobremesa e café, 20 € por pessoa é bastante razoável para a qualidade do restaurante nas suas diversas vertentes.

O ponto menos positivo acabou por recair precisamente no vinho escolhido. Estando disponível todo o portefólio da Dão Sul, desde os Portos das Tecedeiras até ao alentejanos do Monte da Cal, passando pela Quinta do Encontro na Bairrada e pela Casa de Santar e pelo Paço dos Cunhas no Dão, a dificuldade está em adequar a quantidade que se vai beber e o perfil do vinho ao prato. Dentro dos preços ajuizados, a escolha foi um Cabriz Touriga Nacional 2010, que decepcionou e se revelou uma má opção: 14,5% de álcool, um vinho pesadíssimo, superconcentrado, enjoativo, impossível de beber por muito tempo. Ao segundo copo já farta a ficamos com o palato completamente saturado. Com algum sacrifício, eu e a minha mulher não conseguimos sequer beber metade da garrafa, pelo que o resto veio rolhado para casa. Não é que se possa dizer que o vinho é defeituoso, mas com vinhos deste perfil, infelizmente, por este caminho não vamos lá.

Definitivamente, estou farto deste tipo de vinhos e não consigo mais bebê-los. Bem refere Luís Antunes, no seu artigo na Revista de Vinhos de Outubro, os casos em que em vez de apetecer uma segunda garrafa, nem se consegue acabar a primeira. Foi esse o caso. Se soubesse que esta colheita estava assim, tinha pedido um Casa de Santar Reserva, que de certeza ficava mais bem servido.

Enquanto os produtores e enólogos insistirem neste caminho, estão a dar tiros nos pés. Porque quando o cliente não consegue consumir, sequer, metade duma garrafa de vinho que se espera que seja de qualidade superior, certamente a culpa não é do cliente... Senhores produtores e enólogos, duma vez por todas abram os olhos e não insistam em trilhar este caminho, porque mais cedo ou mais tarde vão arrepender-se. Pela parte que me toca, enquanto este vinho mantiver este perfil não voltarei a pedi-lo nem a comprá-lo em lado nenhum. É pena, porque a Dão Sul é uma das empresas de que se espera sempre o melhor, mas ir atrás da moda é capaz de não ser a melhor política.

No fim, ainda antes do regresso a casa e para ajudar a digerir o almoço, ainda houve tempo para um pequeno passeio pelo jardim entre o restaurante, a loja de vinhos e a adega, uma espreitadela às gigantescas cubas de fermentação por trás desta e ainda a observação de 10 fileiras de cepas com amostras de castas tintas usadas nos vinhos da empresa, que bordejam a entrada da adega. Por ordem alfabética, encontramos Alfrocheiro, Alicante Bouschet, Aragonês, Baga, Jaen, Syrah, Tinto Cão, Touriga Franca, Touriga Nacional e Trincadeira. Aliás, já tínhamos visto o mesmo nos jardins da Casa da Ínsua, onde está devidamente assinalado o Canteiro das Castas que são usadas nos vinhos da casa.

A partir daqui, o regresso à capital com uma sensação de satisfação pelos passeios dados e pelos locais visitados, mas com vontade de voltar ao Dão mais cedo ou mais tarde. De preferência mais cedo...

Viva o Dão e os 105 anos da região demarcada!

Kroniketas, enófilo itinerante

Vinho: Cabriz, Touriga Nacional 2010 (T)
Região: Dão
Produtor: Dão Sul
Grau alcoólico: 14,5%
Casta: Touriga Nacional
Preço no restaurante: 10,40 €
Nota (0 a 10): 5,5

Restaurante: Quinta de Cabriz
Carregal do Sal
Tel: 232.961.222 / 232.960.140
Preço médio por refeição: 20 a 25 €
Nota (0 a 5): 4,5

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